O que procuro em ti, eco ou planície, que não me respondes? Porque devolves apenas a minha voz?

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Poema #24

PASTORA DESCRITA

Eu, pastora, que apascento
estrelas da madrugada
pelas campinas do vento,
fui falar ao eco antigo
a cuja voz fui criada,
e que supus meu amigo

“ Sou sempre a de antigamente”,
murmurei-lhe, enternecida.
E ele anunciou longe: “ Mente!”

Mas era a minha verdade
e, vendo-me assim descrita,
padeci com a falsidade.

“ Eco amigo, eu não te iludo:
pastora sou destes prados
onde se confunde tudo;

mas sou de ontem e de agora,
dentro dos despedaçados
instantes de nenhuma hora…

A amargura não me aumentes…
E o eco antigo, infiel e exato,
repetiu-me perto:” Mentes…”

Vergada em móveis espelhos
vi nas águas meu retrato,
chorei sobre mim, de joelhos.

Mas o gado que pascia
pelas colinas da aurora,
mascando as margens do dia,

veio a mim sem que o esperasse
lambeu-lhe os olhos de outrora,
- reconheceu a minha face.

Cecília Meireles

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