O que procuro em ti, eco ou planície, que não me respondes? Porque devolves apenas a minha voz?

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Dia-a-dia #97

Existem coisas que não entendo: em Lisboa faz um calor de morte, o verão quente de Outubro, como ficará conhecido no futuro e, no entanto, estou sempre a encontrar bandos de pinguins. Estou sempre a ver grupos de estudantes fardados a rigor, a seguirem sabe se lá que tradição, de capa e batina, é um horror. Encontro-os no Metro, na Av. de Berna, na Cidade Universitária, em todo o lado. Andam sempre em bandos e fazem questão de dar nas vistas. Não entendo o gosto que esta mocidade tem em andar fardada. Outro dia, ali para os lados da Gulbenkian vinha com o meu colega Nuno e deparámo-nos com um bando a praxar futuros pinguins, que vinham com umas camisolas azuis e pintados na cara. Um pinguim-mor ordenou que os caloiros se deitassem no passeio onde nós caminhávamos. Gritei logo: ESTÚPIDOS! Então, o Nuno que é muito calmo passou-se: O QUE É ISTO? ANDAM A BRINCAR AO FASCISMO?

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Dia-a-dia #96

Sonhei que o mundo estava em guerra e nós de volta de esculturas. Aliás, tu falavas imenso, coisa rara porque sempre foste de poucas falas; eu estava sobretudo a ouvir-te, coisa rara, porque só oiço até certo ponto. Mas era um sonho. Estava preocupada com uma escultura que tinha modelado em barro, tinha receio de a levar ao forno, achava que não ia sobreviver. Então, contaste-me que fizeste uma enorme almofada quadrada e vermelha por dentro; ela rebentou por causa das bolhas no interior. Ao acordar, tentei dar uma sequência ao que tinha sonhado, mas não apontei logo. Lembro-me de ver o relato do sonho aparecer em forma de texto, mas isso não era o fio da meada. Entretanto, cruzamo-nos hoje de tarde, achei que íamos apenas cumprimentarmo-nos como pessoas civilizadas, mas não, resolveste fazer perguntas, socializar de forma harmoniosa. Não nos cruzávamos já há algum tempo, não te ouvia a voz há uns anos. Tens-te lembrado de mim por causa do fado? Deixei-me disso, não tenho paciência para bater no ceguinho. Foi aos trinta. Trabalhar aqui? Estou a investigar. Pinto pouco, sou corista capista, escrevo pouco, agora só teoria. Livros de poesia gourmet. Se tenho móveis? Não, nunca tive. Lindo? Sim, sei que és poeta – pateta? Vais apontar? Pode-se escrever. O que é bela? Era estranho no fado, mas agora poesia já não é? Não tens Facebook? Também não há pachorra. Morada, o meu nome é enorme, mas é mesmo o meu nome, no caso de não saberes. Não leva til. O til é o infinito? Não, é só metade, é finito. Morada, escrevo o teu nome em alemão. É com dois Ps? Gosto de fado. Não quero ouvir. Pensas em mim por causa por fado? Lembro-me de ti, poesia. Não te contei, hoje sonhei que o mundo estava em guerra e nós de volta de esculturas.

terça-feira, 12 de julho de 2011

O Despontar do Barroco \\ Cistermúsica 2011



Concerto do Coro de Câmara da Universidade de Lisboa (dir. Luís Almeida) na Sacristia do Mosteiro de Alcobaça no dia 25 de Junho

domingo, 3 de julho de 2011

Poema #72

sábado, 2 de julho de 2011

Poema #71




Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloqial, a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!

*

Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há "papo-de-anjo" que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado, feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós...

Alexandre O'Neill

in "Feira Cabisbaixa", 1965

quarta-feira, 29 de junho de 2011

quinta-feira, 16 de junho de 2011

sábado, 4 de junho de 2011

Poema #69

UM ADEUS PORTUGUÊS
Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz dos ombros pura e a sombra
duma angústia já purificada


Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor


Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver


Não podias ficar nesta casa comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual


Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal


Mas tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser


Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal


Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti

Alexandre O'Neill

quarta-feira, 25 de maio de 2011

segunda-feira, 9 de maio de 2011

quinta-feira, 5 de maio de 2011

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Poema #68

Eugen Gorimger - "Silêncio" (1953)

A gata Lua acabou agora mesmo de vomitar uma bola de pêlo sobre uma reprodução deste poema.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Poema #67



















Carlfriedrich Claus
"Paracelsische Denklandschaft"
in Pierre Garnier - Spacialisme et Poésie Concrète. Paris : Gallimard, 1968

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Poema #66


















"Allegorical Essay for Albert Wigand" 1965

In Berjouhi Bowler - The Word as Image
London: Studio Vista, 1970


quinta-feira, 14 de abril de 2011

Poema #65



















Ferdinand Kriwet
in Pierre Garnier - Spacialisme et Poésie Concrète. Paris : Gallimard, 1968

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Dia-a-dia #95

Sonhei que estava no meu quintal a tratar de vasos de plantas e a preparar canteiros: durante as tarefas fui visitada por pessoas do meu passado, artistas que devido a circunstâncias da vida, não vejo há muito tempo. Retirava plantas dos vasos para as colocar nos canteiros, recordo-me de estar a tirar terra de um vaso comprido, onde se encontravam uns tubérculos nas paredes laterais. Acordei cedo, antes do despertador e lembrei-me do final do Cândido de Voltaire – “Está tudo bem dito… mas devemos cultivar o nosso jardim”. Depois, lá fui para a biblioteca cuidar de uma espécie de horta, enquanto o quintal na realidade, tem canteiros prontos para plantar alguma coisa, mas ainda não foi possível.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Sitemeter #62

EcoBy ReferralEs > Visit DetailVisit 12,143 [<<] [>>] Domain Name (Unknown) IP Address 187.60.34.# (Unknown Organization) ISP Unknown ISP Location Continent : Unknown Country : Unknown Lat/Long : unknown Language Portuguese (Brazil)pt-br Operating System Microsoft WinXP Browser Firefox Mozilla/5.0 (Windows; U; Windows NT 5.1; pt-BR; rv:1.9.0.19) Gecko/2010031422 AskTbFF/3.11.3.15590 Firefox/3.0.19 Javascript version 1.5 Monitor Resolution : 1280 x 600 Color Depth : 32 bits Time of Visit Mar 22 2011 5:49:29 pm Last Page View Mar 22 2011 5:49:29 pm Visit Length 0 seconds Page Views 1 Referring URL http://umacasanotemp...9_07_01_archive.html Visit Exit Page http://umacasanotemp...9_07_01_archive.html Out Click Time Zone UTC-4:00 Visitor's Time Mar 22 2011 2:49:29 pm Visit Number 12,143 Alguém chegou a esta casa no tempo procurando como montar um portefoli, sobre nossos antepassados e encontrou isto

Dia-a-dia #94

"Ora, é nesta dúbia natureza − por um lado temos um monólogo, por outro lado uma paisagem − que Linhas de Hartmann se impõe como um dos melhores poemas portugueses do início deste século."

Henrique Manuel Bento Fialho Aqui

domingo, 27 de março de 2011

Ilustração #31

Ontem foi o lançamento de "Linhas de Hartmann" de Paulo Tavares, livro para o qual contribui com a imagem da capa. Deixo-vos aqui o texto que li:

Quando o Paulo me convidou para estar aqui, pediu-me também, para dizer algumas palavras: respondi-lhe que falar não é bem a minha área, sou mais de fazer com as mãos. A mão pensa, como afirmou Ana Hatherly. Acrescento que a mão para pensar tem de ouvir. Foi o que se passou em relação à capa deste livro, pensei com as mãos; mas não pensei sozinha, porque o livro resultou de um bom encontro entre o poema do Paulo Tavares, a minha pintura e o grafismo do Pedro Serpa, um ensemble que foi dirigido pela sábia mão do maestro Vítor Silva Tavares.

 
O principal receio de estar aqui e agora seria ter de falar do poema. Acho que é sempre difícil falar sobre poesia, porque é uma arte onde as palavras se afastam do seu uso corrente ou vulgar; na poesia a linguagem é despragmatizada, as palavras entram num processo alquímico, falando-nos através de enigmas ou paradoxos. É por isso que gosto de poesia, e dos poetas, porque não dizem “coisa com coisa”.

Entrei em diálogo com o poema do Paulo Tavares através da pintura, mas não vou falar sobre o poema, porque ele existe para o lerem, assim como a imagem da capa existe para a verem. Vou falar-vos, sim, como decorreu o encontro entre a poesia e a pintura no rosto deste livro. Segundo Plutarco, o grego Simónides, seis séculos antes de Cristo, afirmou que «a pintura é a poesia muda e a poesia uma pintura falante», ideia que Horácio retomou na sua “Arte poética”, ao considerar que a pintura é como a poesia – Ut pictura poesis. Acrescento que, se a pintura é a arte do silêncio que fala, talvez a poesia seja a própria voz do silêncio. A poesia é um quase-nada, presque-rien no dizer de Vladimir Jankelevich, filósofo francês que considerava a música o inefável, por ser a arte que diz o que não é possível dizer por palavras.

Voltando ao ensemble musical que se reuniu neste livro, para Michel Guiomar a música de câmara é sempre uma lição de humildade e humanidade, porque ela vive essencialmente da audição: um pequeno grupo junta-se para praticar e ouvir música em simultâneo, e em última instância, não necessita de público, porque os próprios intérpretes são também ouvintes. No passado, antes de existirem as gravações e outras tecnologias, era frequente, sobretudo na Europa Central, os músicos amadores encontrarem-se para a praticarem, porque era também um modo de poderem escutar música. A palavra amador aqui não foi utilizada como sinónimo de má qualidade, como é frequente hoje em dia, mas sim no verdadeiro sentido que tem, amador é o que faz com amor. Paul Klee tocava violino, assim como Kandinsky tocava violoncelo, dois pintores que amavam e praticavam música de câmara. Estou também a utilizar a palavra amador porque o Vítor Silva Tavares ao referir-se à &etc a utilizou. Foi necessário amor para criar a harmonia das partes no todo, como aconteceu neste livro, dirigido elegantemente pelo maestro editor; no dia em que fui buscar os livros à &etc, o Vítor afirmou que se ele gostar do livro, o autor também, são já duas pessoas, mais a capista, o artista gráfico é o dobro, mais dois leitores, 50%, quatro leitores é já um sucesso a 100% e assim sucessivamente. Fiquei então a acreditar que esta é a ordem natural das pequenas grandes coisas que são feitas com amor.

O meu papel no ensemble, como já referi, foi interpretar o poema, através da pintura, o instrumento que toquei; “Linhas de Hartmann” chegou-me pelas mãos de Nuno Dempster, que já me conhecia destas andanças, tinha interpretado dois poemas seus. Foi engraçado, só conheci pessoalmente o Nuno Dempster depois ter feito a imagem da capa de “Londres”, publicado também nesta editora. Também não conhecia o Paulo Tavares quando li o poema e fiz a imagem, só nos encontramos pessoalmente depois. Li “Linhas de Hartmann” pela primeira vez com febre, estava com gripe. Confesso que fiquei muito entusiasmada, mas só fiz a imagem quando a febre passou. O Paulo achou que seria engraçado afirmar aqui que quando li o poema sem febre o tinha achado uma merda; mas isso não aconteceu. E tudo por causa de um banco de jardim. Depois de ler o poema, pintei vários bancos de jardim e pendurei-os nas paredes de casa. Escolhi o que está na capa por ter algo de poltrona, achei que era o mais confortável, também por estar junto a uma forte árvore enraizada; em pano de fundo, coloquei uns prédios de marquises estilo clandestino português no escuro.

Surgiram depois problemas com o lettring que tinha colocado na imagem, não estava a resultar. No primeiro encontro com o Paulo Tavares na &etc, que foi também quando conheci pessoalmente o Vítor Silva Tavares, falamos sobre isso, entre outras coisas. O Pedro Serpa depois resolveu o problema, dando um toque de filme noir à questão: atenção, foi ele o responsável pelos néones do título e nome do autor. Nesse encontro, o Paulo comentou que gostava da textura do papel da pintura e o maestro editor lembrou-se logo de valorizar isso: posteriormente, o Pedro Serpa pediu-me que pintasse uns fundos texturados, relacionados com os tons da raiz da árvore e enviei-lhe vários. O que me surpreendeu mais no resultado final da capa, para além do modo como foram utilizados esses fundos, foi a subtil contaminação do próprio lettring da &etc, também está manchado. O rosto deste livro foi assim executado a quatro mãos, as minhas e do Pedro Serpa, a partir de “Linhas de Hartmann” e também do mote da importância das texturas, dado pelo poeta, tudo super visionado pelo editor.

Neste rosto, sou assim responsável por pintar um banco de jardim, algo que tendemos a não ver no dia-a-dia desenfreado da cidade; vivo ao lado do jardim Campo Pequeno e por vezes nem o vejo, a sobrevivência faz-nos esquecer do que é realmente importante. Vi no poema do Paulo Tavares, um banco de jardim surgir como uma pausa, um local que permitia também poder prosseguir. Agora, sempre que olhar para um, vou lembrar-me deste livro; o poema do Paulo acrescentou algo à minha realidade, um novo olhar sobre os bancos de jardim. A poesia, assim como a pintura, têm essa a capacidade de acrescentar um quase-nada à nossa existência, ao serem pausa para poder prosseguir, quase-silêncio, um espaço-tempo para ver, ouvir, ler e reflectir. Foi assim que a minha mão ouviu, foi assim que a minha mão viu, foi assim que a minha mão pensou “Linhas de Hartmann”.

Maria João Lopes Fernandes 26/3/2011