O que procuro em ti, eco ou planície, que não me respondes? Porque devolves apenas a minha voz?

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Dia-a-dia #84

Só já penso nas férias.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Leituras #25

A gata Lua já leu e quer mais:

GRIFOS

Os grifos de agora têm ódios anões, disparam contra o musgo por temerem o ricochete do ferro, da pedra, do aço. Os grifos de agora piam e rastejam um voo videirinho, querem mais do que podem, não sabem que o lugar do voo é o ninho de onde nunca saltaram por temerem a queda. Os grifos de agora sofrem a vertigem da honestidade, da liberdade, do assombro, palavras cujo sentido não compreendem por terem sido desde cedo educados nas gravatas apertadas de um falacioso sucesso.
Colam-se aos mestres que antes deles, como eles, foram a Gizeh fotografar a esfinge, aguardando o reconhecimento da confraria que ambicionam. Colam-se com cuspo e ranho, o sangue que lhes corre na veia de poetas miraculosamente integrados, prodigiosamente recebidos, magnificamente emparelhados no futuro de quem não tem passado. E com dentes de leite arreganham o sorriso encomendado dos salões, dos rituais iniciáticos, dos baptismos solenes que um dia farão deles o esquecimento de todos nós.
Os grifos de agora têm um nó na garganta, um nó que aperta a respiração a ponto de lhes sofrear o talento. Por isso imitam com camisas cheias de esperança a flanela dos desgraçados, e pousam bem vestidos falsas dores, e dizem-se admiradores dum céu que não reconheceriam nem com lentes de ver por perto, tão cegos que estão de si próprios na melancolia comezinha, literária e falsária das universidades.
Ninguém duvide de que são cinzentos. Mais pardacento que isto é difícil de imaginar, mesmo a quem por imaginação um dia se perdeu nos labirintos da poesia.
De lágrimas, resta-lhes apenas e tão-só urina, produto resultante da excreção raivosa com que foram criados, da segunda pessoa do plural em que foram educados, ainda usavam fraldas e bebiam das tetas maternas o suco desta moleza com que afrontam o mundo.

Henrique Manuel Bento Fialho – Estranhas Criaturas. Porto: Deriva, 2010