O que procuro em ti, eco ou planície, que não me respondes? Porque devolves apenas a minha voz?

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Dia-a-dia # 244

Hoje tive de me desviar da minha rota habitual, para passar nos CTT da AV. de Roma e como tinha papéis para tratar, segui em direcção ao Metro da Alameda. Pelo caminho passei por um quiosque para comprar cigarros, ia despassarada e pedi cigarros gregos, slims dos mais fracos. Então reparei que estava a ser atendida por um paquistanês, ainda pensei, será que me entendeu? Claro que sim, acertou na pontaria e ofereceu-me uma chiclete com o troco a sorrir. Agradeci, nem sou apreciadora de chicletes, mas destressou-me mastigar a mentol, como ainda tinha de ir tratar de papéis.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Dia-a-dia #243

E voltei a sonhar que ainda estava nas Belas-Artes, mas ia pela primeira vez a uma aula de geometria descritiva. O antigo anfiteatro todo construído em madeira ainda existia e estava cheio. As aulas já tinham começado há mais de um mês. Nisto entrou a professora, não a conhecia, e dirigiu-se a mim com uma ficha de inscrição e um envelope com os dados. Mas eu não era a única que estava a começar tarde, porque ela também distribuiu os papeis por mais alunos no anfiteatro. Começo a preencher a ficha de inscrição e vejo que ainda tenho hipóteses de fazer a cadeira. Mas depois abro o envelope e lá dentro estão fotografias de quando era pequena e pergunto-lhe como é que tinham ido parar ali. A professora respondeu-me que eram para anexar à inscrição, as fotografias tinham sido recolhidas da internet e que hoje em dia é assim. Acordei furiosa, a discutir com a professora por achar que se tratava de uma estupidez.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Dia-a-dia #242

Comentário que ouvi ao almoço, por causa de me ter tornado vegetariana não ortodoxa:" Também há pessoas que deixam de comer carne, porque não gostam de animais".

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Dia-a-dia #241

Setembro: o Campo Grande foi invadido por bandos de pinguins a brincarem ao fascismo, como manda a tradição.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Dia-a-dia# 240


Fiz a imagem da capa de "Londres" (2010) de Nuno Dempster na &etc, sem conhecer o Nuno pessoalmente. Ele tinha visto o meu trabalho na internet e pediu-me para a fazer. Só nos encontramos depois e ainda nesse ano, em Viseu, quando lá fui cantar com o Coro de Câmara da Universidade de Lisboa. Na altura também não conhecia o Vítor Silva Tavares, ele enviou-me os exemplares de "Londres" pelo correio. Encontrámo-nos a primeira vez na cave da Rua da Emenda por causa de um problema com o grafismo da capa de "Linhas de Hartmann" de Paulo Tavares. Foi em Fevereiro de 2011, o Vítor entregou-me também nesse dia os exemplares de "K3" do Nuno Dempster, acabadinhos de sair. Também tinha contribuído para "K3" com a imagem da capa. Fiquei fascinada com os relatos que o Vítor fez sobre as tipografias de Lisboa que conheceu. Depois apareceu o Paulo Tavares, foi também a primeira vez que nos encontramos pessoalmente: tinha feito a imagem da capa de "Linhas de Hartmann", mas só falávamos por e-mail. Ficámos lá umas horas a conversar com o Vítor e tudo se resolveu da melhor forma. Voltei várias vezes à cave e foi sempre um privilégio ouvir as estórias que me contou com imensa graça. Nunca me irei esquecer da sua paixão pelos livros.


domingo, 30 de agosto de 2015

Dia-a-dia #239

Sonhei com a casa dos meus avós em Évora, mas desta vez a casa estava desabitada há muitos anos. Percorri o labirinto do seu interior abrindo as portas que ligavam os espaços, e de quarto em quarto, de sala em sala, havia apenas os móveis de várias épocas que se misturavam, era necessário arrumá-los para saírem de lá e serem distribuídos. Durante anos sonhei com aquele labirinto, o seu interior era habitado por mulheres desconhecidas em sofrimento, talvez tivessem ficado por lá emparedadas. O espaço da casa funcionava como um espelho da cidade branca das muralhada, era belo e amargo em simultâneo. Foi muito violento. Mas hoje acordei com uma enorme sensação de alívio, porque agora havia apenas os móveis, que tal como a memória necessitam de ser limpos, arrumados e reutilizados.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Dia-a-dia #238

Finalmente limparam o matagal no espaço em frente da varanda da BN, agora já é possível ver a escultura/cabeça/esfinge do António Campos Rosado. Acho óptimo o escultor ter deixado as marcas dos tacelos no betão, dá-lhe um toque de work in progress, um rastro do processo criativo no resultado final. E remete-me para o que estou aqui a pensar e escrever no interior da biblioteca. Hoje em vez da tradicional sesta na varanda, foi muito bom reparar como esta escultura está bem integrada no espaço, com as árvores em pano de fundo e até a passagem dos aviões estava a fazer mais sentido na paisagem.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Dia-a-dia #237

Voltei a sonhar que estava nas caves das Belas-Artes, à minha volta via os vultos cobertos por sacos de plástico pretos, estava em pânico com a quantidade de trabalho a fazer. Nisto reparo que um colega construía uma colagem com pneus, em vez de trabalhar o barro e fui perguntar-lhe onde os tinha arranjado. Ele respondeu-me que os conseguiu através do jornal "Record", que comprava sempre. Eu avisei-o para ter cuidado, que ali iam considerar que se tratava de um objeto de design e não uma escultura. Nisto avisam-me que saíram as notas de desenho e subo ao primeiro andar: vejo um nove na pauta, não acredito, o Matos Simões chumbou-me. Mas como é possível? Nunca tinha visto o homem, já me tinham avisado que detesta mulheres, só apareceu na avaliação e ficou histérico. Acordei revoltada porque alguma coisa se deveria fazer, como reunir todas as alunas prejudicadas para colocar um processo por insanidade naquele misógino.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Dia-a-dia #236

Hoje em vez de sonhar com as caves das Belas-Artes, recuei ao secundário em Évora. Estava numa aula de filosofia e havia debate, a professora preocupada comigo, dizia-me que tinha ideias excêntricas para a minha idade. Nisto vejo-me na minha casa em Lisboa, à procura da gata Lua, não sabia onde se tinha escondido. Os espaços estavam um bocado alterados, a cozinha era parecida, mas funcionava como um corredor alcatifado de vermelho escuro; chego à marquise, as janelas estavam todas abertas, alguém tinha pendurado lá fora uma enorme quantidade de roupa. Fecho as janelas, a gata poderia ter saltado para o quintal, mas vejo que estava dentro de um armário, toda enrolada a dormir. E era a Lua ainda bebé. Acordei a pensar que ter ideias excêntricas e gostar de gatos faz sentido.

domingo, 9 de agosto de 2015

Dia-a-dia #235

Voltei a sonhar que ainda estava nas caves da escultura nas Belas-Artes, tinha voltado para lá em Janeiro e por isso, tinha perdido o 1º trimestre do ano - isso aconteceu na realidade à 20 anos, quando vim do Canadá para o 3º ano de Escultura. À minha volta vi que os projectos estavam bastante adiantados e senti-me perdida. A professora Virgínia animava-me e convencia-me a trabalhar o barro, mas eu olhava para o horário, com as várias disciplinas e estava preocupada com o que já não poderia fazer: história de arte, geometria descritiva era impossível, já tiveram testes. Talvez conseguisse fazer a cadeira de desenho, mas para isso tinha de ir ao 1º andar. Já no pátio da escultura, reparo que o edifício se encontrava em obras e para sair dali comecei a trepar os andaimes. A estrutura termia toda, estava perigosa e entre os andares estavam colchões, numa espécie de andaimes beliches, que apenas se conseguia entrar pelos lados. No meio desta aventura alpinista perdi a carteira do dinheiro, caiu do bolso das calças. Acordei em pânico à procura dela entre os colchões.

domingo, 2 de agosto de 2015

Dia-dia# 234

E voltei a sonhar que ainda estava nas Belas-Artes, desta vez queria mudar de curso para outra universidade, mas a logística era muito complicada. Encontrei um colega que trabalhava nos audiovisuais e estava a passar pelo mesmo processo, ele avisou-me do pagamento das taxas de transferência e da burocracia a tratar. Nisto vejo-me a ser entrevistada para fazer a admissão, estava tudo a correr bem, o professor fazia-me preguntas sobre o meu percurso na escultura e pintura, mas às tantas colocou-me uma pauta de música sobre a mesa e pediu-me para ler. Fiquei aflita e disse-lhe: tenho alguma formação musical, mas não sei ler assim à primeira vista, com a ajuda dum teclado poderei fazer alguma coisa. O professor era simpático, agora que me estou a lembrar, é muito parecido com um leitor que costuma estar na BN, que tem olhos verdes, cabelo desalinhado grisalho e cara de judeu. Ele respondeu-me: mas acha que alguém consegue ler isto à primeira vista? É mentira, ninguém o faz aqui nos estudos literários, e nos estudos musicais, à primeira vista ficam a perceber cerca de 20% do que lá está. 

 Fiquei então a achar que tinha hipóteses de ir para os estudos literários. Seguia-se uma sessão fotográfica para identificação e à minha frente estavam duas raparigas, formávamos uma fila à entrada. Lá dentro deparei-me com um estúdio onde estava tudo preparado para a performance ser registada a rigor, a primeira rapariga sobe ao palco e começa a despir a camisola. Acordei em pânico a pensar: mas é assim que se consegue mudar de curso?

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Dia-a-dia #233

E voltei a sonhar que ainda estava nas caves das Belas-Artes, desta vez na oficina de metais, era só homens a trabalhar, pareciam uns bate chapas. Eu não conseguia fazer nada, nem sabia o que fazer. Nisto apareceu o professor que era um verdadeiro troglodita de fato-de-macaco, estava a dar instruções sobre uma peça em cima da mesa. Não percebia nada do que o homem estava a grunhir e aquilo era tudo com ângulos de 90º, mas como era possível? Depois encontrei uma estudante estrangeira, ela era fotógrafa. Havia uma coincidência engraçada, ela também fazia fotogramas e utilizava textos. Foi um alívio, podia falar com alguém que me entendia, contei-lhe que tinha usado um texto do Rainer Maria Rilke num fotograma no Canadá, um texto feminista escrito no século XIX, mas ela não conhecia o autor. Disse-lhe também que estava a pensar mudar para pintura, porque não conseguia fazer nada nas caves. E ela avisou-me num português macarrónico: lá em cima na pintura tens de aturar as cabras das professoras. Subi ao primeiro andar onde estavam as mulheres e o panorama era deprimente: pintavam retratos, paisagens, naturezas-mortas com se tivessem sido obrigadas a parar no século XIX. Nisto reparo que um dos lavatórios estava entupido, a deitar água para fora e dirigi-me para lá. Com muito esforço consegui quase retirar um compasso antigo do meio da água colorida, dos que se utilizam para tirar medidas a volumes, estava quase quando acordei em pânico.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Dia-a-dia #232

E voltei a sonhar que ainda estava nas caves das Belas-Artes, mas ao contrário do que é costume, não estava atrofiada com o ambiente húmido e sinistro dos vultos cobertos por sacos de plástico negros. Sei que tinha de modelar um relevo, vi as tinas com o barro em preparação. E retirei grandes pedaços para cima de uma das mesas para o amassar. Acordei a pensar: eu sei fazer isto, vão ver como é quanto coloco as mãos na massa. Acho que foi a primeira vez que acordei deste sonho recorrente com capacidade de reacção, em vez de estar em pânico.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Dia-a-dia#231

Na varanda da BN, quase a adormecer, ouvi novamente uma rola turca, parece um cuco mas não é, segui o UuuuUuuuUuuuUuuu....... e já estava no pinhal, cheirava a férias com a serra de Sintra ao longe e passou um maldito avião, que me obrigou a voltar ao barroco num estrondo.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Dia-a-dia #230

Preparava-me para dormir a sesta na varanda da BN, hábito recente que me sabe bem após o almoço até que passe um avião dos que entra directamente nos sonhos, mas estava uma mulher aos berros com o Tó Zé no telemóvel, deveria ser o ex-marido, aquilo é pior que os aviões, faz mal à saúde e deveria de ser proibido. Fui beber um café BN que por sinal é pior que o café espanhol.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Dia-a-dia #229

A desterrada a lembrar-se das palavras de um homem da montanha: “Será talvez alucinação do poeta. Mas porque nela (Évora) se documenta inteiramente a génese do que somos, o que temos de lusitanos, de latinos, de árabes e de cristãos, e se encontra registado dentro dos seus muros o caminho saibroso da nossa cultura, – se estivesse nas minhas mãos, obrigava todo o português a fazer uma quarentena ali. Uma lei pública devia forçá-lo a entrar na cidade a desoras, numa noite de lu...ar. E, sem guia, mandá-lo deambular ao acaso. Seria um filme maravilhoso da história pátria que se lhe faria ver, com grandes planos, ângulos imprevistos, sombras e sobreposições. Uma retrospectiva do que fizemos de melhor e mais puro no intelectual, no politico e no artístico. Só de manhã seria dado ao peregrino confirmar com a luz do sol a luz do écran. E se ao cabo da prova não tivesse sentido que num templo de colunas coríntias se pode acreditar em Diana, numa Sé românica se pode acreditar em Cristo, e num varandim de mármore se pode acreditar no amor, seria desterrado.” In Miguel Torga – “Portugal”, Edição do autor, Coimbra 1957, p-124-126.

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Dia-a-dia#228

Sonhei estava nos arcos da praça do Giraldo, descia em direcção à Igreja de S. Francisco na companhia de três professores, dois deles sei que já morreram e tinham óculos dos anos 60 nos olhos, um está vivo mas velhote. O velhote em tom provocatório disse-me: "não entendo porque foste para as Belas-Artes, não deverias ter feito isso". Respondi-lhe: "não se pode fazer nada em relação ao passado, não posso voltar atrás e mudar. Só o posso aceitar". Nisto eles entraram num café e eu continuei em direcção ao mercado, era de madrugada, lembro-me do movimento dos vendedores, as cores das frutas e legumes. O pior foi voltar para trás, para a casa dos meus pais em Évora, vi as janelas do rés-do-chão, uma delas tinha a forma de um armário parecido ao da minha sala em Lisboa, as portadas estavam abertas. Acordei quando estava a saltar lá para dentro, estava quase a entrar.

quinta-feira, 12 de março de 2015

Dia-a-dia #227

E voltei a sonhar que estava nas caves das Belas - Artes - é um sonho recorrente - estava no curso de escultura e aquilo era atrofiante. O tema era o corpo humano, tínhamos de modelar em barro e ninguém sabia o que fazer. Não havia modelos. Eu também me sentia perdida, sabia apenas que havia muito trabalho a fazer. Nisto subi ao primeiro andar para ver o que se passava na pintura e pelo que vi o caos ainda era maior: estavam a trabalhar sobre papel, desenhavam a pincel o corpo humano sem modelos. Perguntei aos alunos se tinham temas a desenvolver, e houve um que me respondeu: fomos estimulados a reciclar material. E perguntei: "objet trouvé"?, mas ele não sabia o que era isso Fiquei em pânico e quando acordei só pensava: antes os brutos da escultura que os loucos da pintura!

sábado, 28 de fevereiro de 2015

Dia-a-dia #226

Simpatizo com o rapaz da tabacaria, cumprimentamo-nos e sabe sempre quais são os meus cigarros, não é necessário dizer mais nada. Depois arranjo-lhe moedas para facilitar o troco. Ontem encontrei-o numa alegre cavaqueira com uma moça mais para a minha idade, dizia-lhe: "estamos muito bem, cada dia é como se nos tivéssemos encontrado pela primeira vez". O olhar dele ficou diferente, nunca o tinha visto assim. Ela antes de sair respondeu: "pois é, acho que também preciso de mudar". Então disse-lhe boa tarde e respondeu-me: "são os seus gregos, não é?" E desatamos a rir, claro.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Dia-a-dia #225

Já foi há alguns anos. Estava no aeroporto de Milão junto à zona de embarque e como ainda era cedo, fui beber um café. Não se podia fumar em lado nenhum. Quando me aproximei do balcão, reparei que havia um espaço recôndito com mesas onde estavam duas hospedeiras da Lufthansa de cigarro em punho. Aproximei-me delas, já com o café na mão, puxei dum cigarro e pedi-lhes lume. Uma delas depois disse-me: é proibido fumar, mas se alguém vier dizer alguma coisa, foram eles que começaram. E apontou para uma mesa mais escondida ocupada por gregos bens dispostos que também estavam a fumar.