O que procuro em ti, eco ou planície, que não me respondes? Porque devolves apenas a minha voz?

domingo, 9 de setembro de 2018

Dia-a-dia#287

Sonhei que saía das Belas-Artes e ao contrário do habitual, não tinha de apanhar um autocarro para casa ou o metro, porque apanhei boleia. Já no interior do veiculo percebi que se tratava de uma carrinha e perguntei em que direcção iam. Uma rapariga informa-me que passavam pelo Campo Pequeno todos os dias e por isso, me podiam deixar no caminho. E diz-me que fazem este percurso diariamente, poderei apanhar boleia com eles. Pergunto se tenho de contribuir para a gasolina, responde que sim, e posso depois usar as facturas no IRS. Expliquei-lhe que estive isenta por causa da bolsa da FCT e olham-me desconfiados. A rapariga diz-me que não me poderão incluir naquele transporte, vão dar prioridade a outra colega, porque necessitam de alguém com outro perfil, para terem as contas na ordem. Expliquei-lhes que já não tinha a bolsa, mas estavam intransigentes, param a carrinha e largam-me na Av. da Liberdade. Acordei a achar que tenho de caminhar com os meus próprios pés.

sábado, 18 de agosto de 2018

Poemas # 126

FEDERICO GARCÍA LORCA

Como quer el-rei ter rosas
sem incêndios nos caminhos?

Sombra de rosa o teu corpo
nocturno sol vagabundo

A morte de García Lorca
transforma em rosas o vinho

transforma em rosas o pão
a água em rosa de lume

Transforma a terra de espanha
numa rapariga nua

Cantas ou crescem os rios
da minha pátria salgada

potro de cal e mar vivo
pequena espanha cercada

E parte-se o corpo do mar
parte-se a festa do vinho

Como quer el-rei ter rosas
sem incêndios nos caminhos?

Miguel Serras Pereira. "Todo o Ano", Porto, Limiar, 1990

quinta-feira, 31 de maio de 2018

Dia-a-dia # 285





Que bem que o Sting canta o John Downland.

quarta-feira, 30 de maio de 2018

Dia-a-dia #284

Eutanásia: só se pode estar contra ou a favor? Detestei ver como este assunto delicado nos últimos dias foi discutido  a preto e branco. Havia os do sim à vida a puxar dos galões morais, a vida é sagrada, o horror da eutanásia é um assassinato ou crime, algo que rejeito totalmente. E os que defendem o direito a uma morte digna, a referirem a liberdade de opção individual, onde o pedido de morte perante o sofrimento extremo é encarado como um direito, colocavam-se em posição de vanguarda, acusando quem estava contra de conservador. Pois eu faço parte do pessoal que tem dúvidas sobre a legalização da eutanásia, e rejeito totalmente o discurso de quem estava contra a eutanásia. O bom do debate é que trouxe a público que já existe o testamento vital, algo que em caso de ter uma doença terminal eu iria recorrer. E fiquei também a saber, que existe a sedação paliativa terminal aplicada em casos extremos de sofrimento. É bom saber que estas opções já existem e gostava que fossem mais divulgadas e debatidas, porque assuntos de vida, dor e morte, implicam uma visão mais alargada do que rivalidades entre clubes de futebol ou esquerda direita e centro. O mundo não é feito apenas de retórica, de facto. A aplicação da sedação paliativa terminal  nos casos extremos de sofrimento ficará muito caro ao SNS? Será muito mais barato legalizar a eutanásia? Por aqui andam as minhas dúvidas. Sobre a sedação paliativa terminal ler aqui

quinta-feira, 24 de maio de 2018

Dia-a-dia #283

Sonhei que necessitava de comprar material de desenho e a loja estava cheia, havia imenso movimento de pessoas ao balcão, aquilo era uma balbúrdia. Quando finalmente me atenderam, pedi lápis e um bloco de folhas A4. O vendedor olhou para mim com ares de que sabia tudo sobre materiais artísticos e informa-me sobre os vários pacotes que agora existiam ali à venda. Havia o pacote 'Amadeo' que incluia um bloco com cinquenta folhas, lápis de cores, cola e também o pacote 'Almada',... que tinha esquadros com vários ângulos, e mostrava-me um dos exemplares de 30º e 60º, lapiseiras de várias espessuras, as borrachas eram brancas. O vendedor continuava a impingir-me coisas e dizia os vários preços das promoções. Eu já estava furiosa viro-me para ele e pergunto: já reparou que não sou uma consumidora tipo? Volto as costas à confusão e acordo a pensar que já não se pode ir à loja comprar lápis e papel porque ficamos mal vistos nesta sociedade onde o ser foi substituido pelo ter. E porque é que havia promoções com nomes de pintores portugueses?

segunda-feira, 21 de maio de 2018

quinta-feira, 17 de maio de 2018

Dia-a-dia #281

IIIIIIIIiiiiiiiiiiuuuuuuuppppppiiiiiiIIIIIII voltar a cantar no CCUL e o ensaio encerrou com uma peça de John Cage, texto de Gertrude Stein opá opá opá opá opá opá opá opá opá

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Clara Menéres (1943-2018)


Clara Menéres. «Mulher-Terra-Vida» (1977). Madeira, terra, acrílico e relva. 300x180x90cm. Escultura exposta na «Alternativa Zero» e reconstruída em 1997 no Museu de Serralves, Porto.

sábado, 5 de maio de 2018

Dia-a-dia # 280

E voltei a sonhar com as caves das Belas-Arte. Desta vez ainda estava no terceiro ano de escultura. Tinha assistido às avaliações do quinto ano e para variar, era uma desgraça, o professor estava a tratar muito mal os alunos, dizia que ali nem se tinham feito esculturas, era tudo demasiado bidimensional, ninguém tinha cumprido o programa. Era a razia total. Estava a sentir-me desorientada, não sabia o que fazer. O meu projecto era realizar naturezas-mortas tridimensionais, tinha feito um pião dos antigos em madeira como aqueles que agora estão nos portas-chaves das salas, mas numa escala como deve de ser, e tinha preenchido as superficies com uma corda, estava a ficar com uma textura bonita. Os colegas avisam-me que o professor nos tinha deixado um poema para ilustrarmos, em formato digital. Fomos ver o que era em conjunto, não era nenhum poema, era um filme com um interior de uma casa, onde os espaços estavam sobrepostos. Ao ver aquilo achei que se tratava de um enigma, e que aqueles espaços se poderiam relacionar através da geometria. Não queria voltar a fazer nada que fosse geométrico, mas o horror era existir um programa para cumprir e não o conseguiamos descodificar. E se colocassemos alguma questão eramos insultados, tal como já tinhamos visto na sala do quinto ano. Acordei a pensar que não me livro das caves da escultura, mesmo depois de terminado o doutoramento. E a geometria, o que andaria ali a fazer?

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Dia-a-dia #279


Esta fotografia diz mais que mil palavras.

domingo, 22 de abril de 2018

Dia-a-dia #278





As coisas que se encontram na net, esta peça do Lopes-Graça é velhaca, era assim que o compositor chamava às músicas difíceis de interpretar.  Estive a cantar nos contraltos neste concerto em  Egér na Hungria, em 2012. Lembro-me que a seguir os anfitriões nos ofereceram uma prova de vinhos da região. E estávamos de volta dos vinhos todos contentes, quando se aproximou de mim um homem já com uma certa idade, e me preguntou a opinião. Eu fui direta ao assunto: achei os brancos muito ácidos, mas avisei-o que sou uma esquisitinha em matéria de vinhos brancos. Os tintos tinham uma personalidade forte e gostava. Ele concordou comigo e fez-me perguntas sobre os vinhos portugueses. Falei-lhe das várias regiões e das suas diversidades. Entretanto afastou-se e o meu maestro disse-me que era o presidente da câmara. Sou mesmo desbocada, fui indelicada a criticar logo os brancos na presença do principal anfitrião. Mas reapareceu com uma garrafa de tinto de reserva, explicou-me que os tintos tinham uma casta chamada  'sangue de boi', que caracterizava os vinhos da região, não me lembro como se dizia em húngaro porque é uma língua lixada. O tinto de reserva era extraordinário. Conversámos mais sobre vinhos e ele agradeceu-me, porque ia de férias a Portugal e assim já tinha umas pistas para procurar bons vinhos.

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Dia-a-dia #277

Vinha para casa com os sacos das compras do supermercado e em pleno jardim do Campo Pequeno, neste dia quente, estava um bando de pinguins fardado a rigor, a praxar um grupo de miúdos. O ritual era militarista, o pinguim da colher de pau urrava ordens, os miúdos tinham de fazer gestos iguais, contavam em alto e rematavam com um 'Ai!' uníssono. Aproximei-me e disse-lhes bem alto: "Isso é que é brincar ao fascismo!?!?". Parou tudo. Pousei os sacos no chão, cruzei os braços e fiquei em silêncio a ver se me respondiam. Os miúdos ficaram na mesma posição virados para os pinguins. Os pinguins começaram a bichanar entre eles e elas e com risinhos nervosos. Os miúdos estavam virados em frente, mas espreitavam com os olhos na minha direcção, até o pinguin da colher dizer, num tom baixo, para não ligarem. Encolhi os ombros, peguei nos sacos e abalei. Quando já estava na minha rua recomeçou a parada. Pensei:mas porque é que fui mandar a boca se é igual? Bom, pelo menos tentei fazer alguma coisa.

quinta-feira, 5 de abril de 2018

Dia-a-dia #276

Para além do vento levantar as porcarias que caem dos plátanos e voam por todo o lado, fazem cósegas, dão comichões, fazem os olhos chorar e dão cabo da respiração; os animais e vegetais estão reunidos em torno da arena raios que a partam, inaugurou a temporada com fados e cornetas e os Maranata cantam mal e sempre à mesma hora, espero que se calem também pontualmente.

Dia-a-dia #275

A primeira vez que li a «Aparição» de Virgílio Ferreira foi numas férias da Páscoa, estava em Lisboa a visitar os meus irmãos mais velhos que viviam no apartamento da minha avó Ana. Encontrei o livro no quarto do meu primo Luís, que tinha a coleção RTP (ele não o leu de certeza, nem deu por lho gamar). Tinha catorze anos e ainda vivia em Évora. Mais tarde voltei ao livro e vou continuar a voltar de certeza. Hoje fui bastante reticente ver o filme. Foi uma grande surpresa: a fotografia lindissima, gostei dos actores, do guarda-roupa, decors e ambientes, reconheci muitos sítios, as ruas de Évora, os sinos da Sé. O Fernando Vendrell está de parabéns, é um belo filme, a não perder.

quarta-feira, 21 de março de 2018

Poemas # 125

Poemas quotidianos

como o sol
como a noite

como a vontade de comer
e o sono

como as preocupações
e o amor

e porque saio à rua
e trabalho
diariamente

António Reis. “Poemas quotidianos” (1957). Lisboa: Tinta da China, 2017.p.27

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Dia-a-dia #274

Sonhei que o júri do meu doutoramento não conseguia ver as imagens que se encontram em anexo na tese, em formato digital, porque estavam encriptadas. Que absurdo! Acordei a pensar que agora ao menos aparecem situações relacionadas com a tese de doutoramento no meu subconsciente, em vez das caves da escultura.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Dia-a-dia #273

Hoje perdi algum tempo à procura de um livro-guia que trouxe há alguns anos do Museu Morandi em Bolonha. Os armários dos livros por cá estão dispostos em várias zonas, e divididos também em ensaio, ficção, livros de arte, poesia e por sua vez, dentro de cada género os autores estão disposto por ordem alfabética. O Morandi estava no meio dos tijolos, não sei como lá foi parar, estava fora de ordem entre ensaios no armário à entrada da casa de banho. Quando acontecem estas coisas só me pergunto: mas porque é que tenho tanto livro? Talvez fosse altura de reduzir e fazer a triagem, afinal não são muitos os livros que estamos a ler e a ver continuamente, ou queremos lá voltar.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Dia-a-dia #272


Voltava hoje de Évora, de boleia com os meus sobrinhos mais velhos e estava a olhar para a paisagem na auto-estrada. Naquela zona de transição do montado para pinhal, já perto de Vendas Novas, os cabos de alta tensão têm verdadeiros condomínios privados de cegonhas. Até comentei com os miúdos, que já estão graúdos: mas porque raio as cegonhas vão para ali fazer os ninhos? Será que gostam da radiação? Aquilo deve ser quentinho.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Dia-a-dia #271



Ontem fui ver «Se eu vivesse tu morrias» de Miguel Castro Caldas na Culturgest. Uma peça que vive do texto, das várias relações que se estabelecem com um texto. Tudo começou com uma gravação onde se ouvia a leitura da errata do texto da peça, que estava num livro que foi distribuído por quem estava a assistir. Era assim possível ler e ver a peça. Era difícil, tinha os óculos novos na ponta do nariz para ler e como estou com o dobro da graduação no olho esquerdo (literalmente u...m olho virado para a merda outro para o infinito, que as lentes pretendem corrigir) a focagem da leitura e visão do palco era totalmente marada, mas os actores alertavam-me também para os números das páginas. No palco vivia-se a oralidade das palavras que os actores davam corpo na leitura, no livro o texto por vezes encontrava-se impresso ao contrário. Surgiram então momentos onde já não lia o livro, seguia apenas a acção no palco, um enredo composto por um triângulo amoroso, acentuado por projecção de imagens, que também existiam no livro. As personagens eram trágico-cómicas. Na sequência de acções em que a peça se desenvolveu, constantemente a palavra nas suas várias materializações, em texto impresso ou oralizado no corpo dos actores, interpelava a existência, o amor e a morte. Um texto que questionava a acção a decorrer, através do poder das palavras, da sua verdade e falsidade, oscilando entre a crueldade e o lirismo. Gostava muito que o livro que esteve nas minhas mãos durante a peça fosse publicado, se bem que não reproduz de maneira alguma o momento único que foi assistir à peça. Mas pelo menos assim poderia voltar ao texto e também às imagens, ao registo desse momento presente no livro, para poder reflectir novamente sobre as questões eternas da existência, do amor e da morte levantadas naquele momento que vivi.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Dia-a-dia #270

Sonhei que ia defender a minha tese de doutoramento, antes do ritual começar. No antigo anfiteatro de madeira das Belas-Artes, que já não existe, estavam várias pessoas presentes: os meus pais e irmãos, assim como alguns representantes do meu passado; a professora de desenho do 12º ano, cumprimentei-a e ela disse que não me via desde Chelas. Chelas? Mas ela foi minha professora na António Arroio; a minha professora do 3º ano de escultura, um ser humano maravilhoso, lá estava... com o seu sorriso luminoso. Nisto aparece um amigo que é um assumido anti-académico, um intelectual brilhante que muito admiro, e foi o único que reparou que estava à rasca, pergunta-me o que se passa. Respondo-lhe que não fiz o powerpoint para apresentação e me esqueci de trazer um exemplar da tese, se me fizerem alguma pergunta referindo o que escrevi na página tal, vai ser uma desgraça por que não me lembro, nem posso ver. Ele começa a rir à gargalhada, aliás, desatamos a rir os dois, e eu informo-o que trago apenas uma cábula com um discurso. Ele diz-me que vai correr tudo lindamente. Quando acordei estava já a discursar no anfiteatro, a agradecer diplomaticamente a todos os que estavam presentes, e ao júri que tinha vindo de tão longe. Sentia que já era de dia, mas não, vi as horas, eram 4h da matina, fiquei a matutar sobre o assunto, mas nem me mexi de onde estava.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Dia-a-dia #269

Já vos disse que pinto coisas que não sei o que são, mas acho que consigo ver? Hoje estive de volta de uma panorâmica que tem como pano de fundo a sede do banco central europeu. A polícia de choque avança nesta paisagem e na vanguarda, um oficial fardado a rigor, aponta a arma para um cachaço de bovino e três postas de salmão. Carne ou peixe, só fauna nesta paisagem sem flora. Ao fim da tarde parei para ouvir o Concerto para piano n. 2 de Rachmaninov interpretado pelo anjo Evgeny Kissin. Voltei a olhar para a paisagem humana em construção e concertei-a pintando uma aura em torno do peixe e da carne. Olhei de novo o tropa a disparar sobre o que já está morto. Parece uma sombra. Está frio. Agora vou jantar sopa quente e rica em proteina vegetal.