O que procuro em ti, eco ou planície, que não me respondes? Porque devolves apenas a minha voz?

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Labrintos


Maria João Fernandes
LABIRINTOS
PINTURA

EXPOSIÇÃO > 08 a 30 Maio 2009


[esculturar a tela – sobre a pintura de Maria João Lopes Fernandes]

«a origem da beleza está na ferida», assim dizia Jean Genet no Estúdio de Alberto Giacometti.
nesta frase que me corta continuamente desde o momento em que a li, ficou-me uma sede de interior sempre que pintura e escultura e eu nos procurávamos (os quadros são fontes: precisam de seres que os bebam). e sempre mais feriam de sede os quadros que abriam as vísceras da alma: aqueles que compreendiam os sulcos interiores em que o abraço da vida e da morte se grava em corredores secretos sob o peito, em feridas internas onde se rasga o cosmos.
já a escultura de Maria João Lopes Fernandes me trazia há muito estranhos laços entre existências. música de si mesma desconhecida, que nasce da sede, da inquietação das raízes – e se constrói, traço a traço, sobre a realidade. a escultura de Maria João Lopes Fernandes é música. sequência entre a forma de símbolos de sons, de cosmogonias que se descomeçam, montanhas que procuram em sede a chegada, alfabetos de palavras e línguas antes do som e da forma. música, estruturas que pedem um intérprete, que lhes ordene a forma para chegar ao som.
Maria João Lopes Fernandes vai prosseguindo um solitário trabalho, entre a interpretação desconstrutora do Experimentalismo e a busca interior da raiz, natureza e possibilidades da forma, e encontra-se num lugar silencioso nas artes plásticas em Portugal. lugar, montanha, alfabeto que agora se consubstancia nesta exposição de pintura, numa coerência perturbadora e inquieta: a sua escultura, seu trabalho principal, imprime-se nestes gestos pintados, como se rasgasse montanhas no próprio acto do desenho, alargando o sentido dos traços. como se nos revelasse nestas feridas de silêncio que são os seus quadros, que uma arte não pode ser senão consciente da outra: que o seu escriturar a tela é uma busca tridimensional da forma, tal como a vida se grava na morte.
não somos feitos de pele, somos feitos de feridas: nesta exposição de Maria João Lopes Fernandes, na sua representação de feridas da alma, ouvem-se still lifes revisitadas, mas eu vejo também os traços de Adrien Coorte, que passou pela vida pintando naturezas mortas – porque pintar a geografia interna das coisas é salvar o real, é mapear a luz que nasce da dor. É encontrar a origem da beleza.

Pedro Sena-Lino
Porto, Fevereiro de 2009

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