Ouve, Poeta Romântico:
Como queres que compreenda a tua dor de incompreendido
Se nunca deitei fogo aos problemas
Para fugir da terra
Num cavalo de asas de fumo?
Nem nunca pairei sobre os homens
De ouvidos tapados
Para ouvir melhor dentro de mim
As lágrimas das sereias
A insinuarem-me ilhas pessoais
Nos berços aéreos das manhãs de sal?
Como queres que entenda o teu desamparo de herói caído
Se nunca andei pelo céu
Com pés de estrelas…
Nem nunca desci à Terra como tu
Para completar a paisagem com os olhos…
Ou dar aos escravos
– A pobre - carne - de - viver dos escravos! –
A glória de comungar de joelhos
A aristocracia da minha dor
– Do tamanho de uma cidade forrada de pele humana
Com ruas calcetadas de olhos tristes?
Não poeta romântico.
Cairia morto de vergonha
Se vagueasse pelo mundo
A enxugar lágrimas de pobres
Com lenços de nuvens.
E desceria à fundura
Da raiz mais oculta dos frios
e não fosse igual a todos
Menos a mim mesmo.
E cegar-me-ia com unhas
Até ao silêncio das imagens
Se passasse como tu os dias e as noites
A mirar-me ao Espelho
Para ver o meu Esqueleto genial
Dependurado com flores
Entre a Terra e o Céu
Num balouçar de Deus
Que não se resigna às pedras nem às nuvens…
-Enquanto no Inferno da vida
Os outros esqueletos
Atiram pazadas de carvão
Para as fornalhas das máquinas
Que brincam o fumo
Onde os poetas desenham quimeras de desdém.
Não poeta romântico.
Eu nasci para cumprir outro destino mais novo.
Ser homem apenas sem sangue excepcional
A arder no desejo absurdo
De andar pelas ruas
Vestido de vidro
Para que todos possam ver na minha alma
A dor comum finalmente revelada!
E os sonhos de todos com terra!
E a fome sem estrelas!
E a cólera sem travões!
E a morte sem anjos!
E a revolta sem bandeiras!
E o sol com sol!
Não poeta romântico.
Como queres que compreenda a tua dor de incompreendido
Se só entendo os homens
Quando choram lágrimas de terra?
(E nem me entendo a mim?)
José
Gomes Ferreira
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