O que procuro em ti, eco ou planície, que não me respondes? Porque devolves apenas a minha voz?

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Poema #88

SALADA PRIMITIVA

Leitor, se amas o campo e a natureza,
Se és bucólico e rude,
E na tua rudeza
Só respeitas a força e a saúde;
Se às convenções da sociedade opões
O desdém pelas normas e preceitos,
Que trazem pelo mundo contrafeitos
Cérebros e corações;

Se detestas o luxo e se preferes,
Francamente, às senhoras as mulheres,
E tens, como um pagão da velha Esparta,
Pulso rijo, alma ingénua e pança farta;
Se és algo panteísta e tens bem vivo
Esse afagado ideal
Do retrocesso ao homem primitivo,
Que nos tempos pré-históricos vivia
Muito perto do lobo e do chacal;
Se um ligeiro perfume de poesia
Que se ergue das campinas
Na paz, no encanto das manhãs tranquilas,
Te dilata as narinas
E enche de gozo as húmidas pupilas,
Leitor amigo, se assim és, vou dar-te
“Se a tanto me ajudar engenho e arte”
Uma antiga receita,
Que os rústicos instintos te deleita
E frémitos te põe na grenha hirsuta.
Leitor amigo, escuta:

Vai, como o padre-cura, cabisbaixo
Pelos vergéis da tua horta abaixo
Quando no mês de Abril, de manhã cedo,
O sol cai sobre as franças do arvoredo,
Para sorver aqueles bons orvalhos
Chorados pelos olhos das estrelas
Nos corações dos galhos;
Passarás pelas couves repolhudas
- Cuidado não te iludas,
Nem te importes com elas!
Vai andando...
Mas logo que tu passes
Ao campo das alfaces,
Pára, leitor amigo,
E faz o que te digo:
Escolhe dentre todas a mais bela,
Folhas finas, tenrinhas e viçosas
Como as folhas das rosas,
E enchendo uma gamela
De água pura e corrente,
Lava-a, refresca-a cuidadosamente.
Logo em seguida (e é o principal)
Que a tua mão, sem hesitar, lhe deite
Um fiozinho de azeite,
Vinagre forte e sal,
E ouvindo em roda o lúbrico sussurro
Da vida ansiosa a propagar-se, que erra
Em vibrações no ar,
Atira-te de bruços sobre a terra
E come-a devagar,
Filosoficamente, como um burro!

António de Macedo Papança, Conde de Monsaraz nasceu em Reguengos de Monsaraz a 18 de Julho de 1852 e morreu em Lisboa a 17 de Julho de 1913.

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