Da experiência de combate
pela qual passei recentemente, falta apenas contar-vos a história da D.
Vitória: era uma anciã que tinha algo da D. Secundina, do “ Mau Tempo no Canal”
porque como diria Vitorino Nemésio “(…) a velha falava assim naturalmente, sem
ódio nem queixas, como quem chama pelos verdadeiros nomes as espécies da fauna
de um país de que é simples explorador e que está quase a largar.” Ela era de
facto rija e horrível em simultâneo, não estava tão surda como o personagem e
seria um pouco mais nova, rondava os oitenta anos. Eu simpatizei mal lhe ouvi
os roncos peculiares que animavam a enfermaria. Das primeiras vezes que lhe
ouvi a voz, estava já ela a mandar vir com o enfermeiro João, porque queria
colocar a sua esquelética na boca. A primeira vez que me dirigiu a palavra foi
bonito: eu estava a conversar com a Luísa, uma simpática enfermeira que ficou
na cama ao lado da minha, internada de urgência e seria operada no dia
seguinte. Trocávamos ideias sobre as experiências das anestesias e oiço assim
muito alto: Olha! Esta não diz coisa com coisa. Como sabem, é difícil rir num
pós-operatório, a D. Vitória era perigosa nesse sentido. Ela passava o tempo a
mandar vir com o enfermeiro João que era um típico beirão, na casa dos quarenta
anos, gorducho e entroncado, poucas falas e muito competente. Ela lá no fundo
deveria de achar que aquilo não era sítio para homens e o desgraçado apanhava
por tabela, mas o João era tão boa pessoa, que voltava costas, encolhia os
ombros e ria-se. Se lhe traziam chá ela praguejava, dizia que não bebia aquela
merd…, também não gostava de iogurtes, estava revoltada porque tinha trazido
uma caixa com os seus medicamentos todos organizados e não lhos davam a horas.
Depois, levantava-se da cama sozinha, não queria ajuda e arrancava com dores a
quinta a fundo para a casa de banho, uma força da natureza. Uma das vezes tomou
um pouco de chá com os comprimidos e vomitou. E lá apareceu o anjo
de nome Clara, que a acalmou dizendo, tem toda a razão D. Vitória, eu é que a
convenci a tomar chá, eu já não lhe trago mais. A Clara era assim, e depois limpou
a porcaria toda. De seguida tentou animá-la: D. Vitória conte-nos lá, a suas
amigas ainda não sabem que tem um pretendente lá no lar. A D. Vitória respondeu:
é um velho de bengala, ele não tem piada nenhuma e outro dia quis roubar-me um
beijo, mas ele mete-se com todas; eu fiquei viúva aos trinta e seis anos e
nunca mais me interessei por essas coisas. Mas a situação mais cómica de todas
foi quando o enfermeiro João se dirigiu a ela, com muito cuidado para lhe dizer
que era necessário fazer um clister e depois saiu da enfermaria para ir buscar
o material. A D. Vitória comentou bem alto: ENTÃO ESTE AGORA QUER IR-ME AO …?
O que procuro em ti, eco ou planície, que não me respondes? Porque devolves apenas a minha voz?
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