Como hoje é domingo,
vou falar-vos de um dos anjos com que me cruzei no hospital, onde fiquei
recentemente internada em Coimbra. Era uma auxiliar de idade indefinida, andava
entre os trinta e os quarenta, mas havia algo de infantil nela, no seu sorriso
doce e nos olhos verdes muito brilhantes. Tinha também um modo especial de
lidar com as anciãs que estavam internadas naquelas enfermarias, sobretudo com
os casos difíceis. Chamava-se Clara. Ela começou por se meter comigo por causa
das minhas pantufas, que são uns croques vermelhos felpudos. Ora, nos hospitais
toda a gente trabalha de croques e ela achou imensa piada à versão confortável
que eu tinha nos pés. Eu lá lhe contei que os tinha arranjado numa loja em
Lisboa, que tem uma vaca enorme à porta. Encontrava-a sempre no corredor das
enfermarias, normalmente, a transportar alguma anciã em cadeira de rodas na direção
da casa de banho, sempre na brincadeira com elas e a animá-las, uma maravilha.
Como no hospital tudo estava bem aquecido, andava por lá de pijama, não era
necessário colocar o robe. Mas quando comecei a dar umas escapadelas lá fora
para fumar cigarrinhos, colocava o meu robe vermelho com capuz, que é bastante
quente. A primeira vez que a Clara me apanhou nessa figura, meteu-se logo
comigo, perguntou-me onde é que eu ia tão chique, com um robe a condizer com os
croques. Respondi-lhe que ia lá fora fumar um daqueles cigarros que sabem a ar
e que tem 0.1 de nicotina. Ela riu-se e comentou que não percebia nada de
cigarros, mas se eram daquele muitos fininhos me ficavam bem, porque eram
parecidos aos que as senhoras fumavam nos filmes antigos. Voltando ainda ao
facto de este anjo animar as difíceis anciãs, na véspera da operação, à noite
fizeram-me uma preparação para limpar o intestino e andava eu no corredor às
voltas há espera de efeitos, quando passou a Clara com uma anciã de cadeira de
rodas. A anciã com uns olhos muito vivos começou logo a meter-se comigo, a
mandar bocas do estilo: então, anda aqui a fazer ginástica a essas pernas? Ao
que respondi, que andava às voltas a ver se funcionava. A Clara abanou a cabeça
e comentou que ela não ouvia e depois gritou-lhe: ELA ESTÁ A VER SE CONSEGUE
FAZER COCÓ e foram as duas embora a rir à gargalhada.
O que procuro em ti, eco ou planície, que não me respondes? Porque devolves apenas a minha voz?
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