O que procuro em ti, eco ou planície, que não me respondes? Porque devolves apenas a minha voz?

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Textos insones #15

Limpar o pó

Contrataram-me para um evento especial num museu – isto de viver de biscates tem que se lhe diga, pelo menos vai variando; e lá fui trajada a rigor – brincos antigos de esmalte e ouro (prenda da família), saia de bom tecido, sapatos clássicos, encharpe de seda . Deparei-me então com um director que nada tinha a ver com o meu contrato e vi logo que ele era do tipo que não gosta de mulheres – já os topo pelo cheiro à distância. O dito cujo não gostou do meu saco de tecido indiano – onde transportava o cofre do dinheiro para os pagamentos, entre outras responsabilidades do evento; e não sei porquê, ele decidiu mandar-me limpar o pó das cadeiras onde as pessoas se iam sentar, entregando-me um pano com ar de nojo; calmamente, eu limpei o pó com uma classe que ele desconhece e logo a seguir levou comigo: chegaram as funcionárias do museu que me tiraram o pano das mãos, dizendo que eu não tinha que fazer aquilo. E ele que estava de braços cruzados a arrotar postas de pescada sobre a melhor disposição do material teve de me aturar a colocar ordem nos assuntos em termos práticos e sempre ao contrário das suas ordens, perante a satisfação das funcionárias. Durante o evento fui apresentada oficialmente à criatura, afirmando logo que já nos conhecíamos e ainda aproveitei para o fazer estremecer, publicamente, mais um pouco e com subtileza, porque eu limpo o pó como bebo chá ou descasco cenouras, é tudo igual.

Postado no Insónia a 27/9/2007

2 comentários:

  1. és um espectáculo, Maria João.

    pena esses "utilizadores do trabalho dos outros" para subirem a escadaria da vida, não apanharem mais gente como tu.

    infelizmente a média baixa a cabeça...

    ResponderEliminar
  2. Luís: é uma chatice aturar parvalhões, a única maneira é rir do assunto.
    abraço

    ResponderEliminar