O que procuro em ti, eco ou planície, que não me respondes? Porque devolves apenas a minha voz?

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Textos insones #23

Milagres


Há alguns anos que tenho pesadelos com a casa dos meus avós em Évora e a família agora resolveu fazer lá obras – eu afirmei logo a pés juntos que não quero nada com aquela casa, nunca irei lá viver ou pernoitar; detesto-a, tem quartos onde não consigo entrar, sinto que se passaram coisas horríveis lá dentro. Recentemente, o meu irmão contou-me que mostrou a casa ao meu sobrinho mais velho e ele quando estava a sair daquele antro, cruzou os braços e disse que não gostava da casa – eu acho que as crianças têm razão nestas coisas, devemos dar-lhes ouvidos. O meu irmão que é um céptico sarcástico relatou a história à família, depois de eu lhes contar os meus pesadelos e preocupação com as obras. A minha mãe agora quer levar lá um padre para benzer o sítio – não tenho nada contra, nem a favor, nunca gostei de homens de saias, não confio nesses intermediários, mas pode ser que resulte, também não é por isso que vou algum dia querer alguma coisa daquela casa. Como tenho uma personalidade alternativa, perguntei aos amigos se conheciam alguém de confiança que pudesse orientar-me nestes assuntos. Indicaram-me uma pessoa que, para meu espanto, sem me conhecer, sem eu dizer nada, confirmou de imediato as minhas desconfianças, receios em relação à casa e aconselhou-me fazer orações numa igreja às segundas-feiras; pensei que mal não faz, tive uma educação católica, como já afirmei não confio nos padres, deus é outra história, não acredito propriamente numa figura antropomórfica que gere tudo isto, acho que os homens o criaram à sua imagem e semelhança; não deixei de ter, no entanto, uma relação com o que está para além de mim, com o transcendente, gosto de ler a Bíblia e a fé é algo que transportei para o trabalho artístico na adolescência; lembrei-me de um amigo meu que já partiu, que era um místico muito à sua maneira e costumava dizer que os rituais o acalmavam. Então, tive de escolher uma igreja perto de onde vivo, para lá ir à hora do almoço, antes do trabalho: tenho uma no topo da minha rua, mas como já vivo aqui há 21 anos, achei que não era a mais adequada, se não qualquer dia também frequento as touradas no Campo Pequeno – nem com a praça restaurada pretendo lá entrar também; na Av. de Berna existe a igreja de N. S. de Fátima, mas Fátima não, acho que aquilo é apenas um grande negócio; a alternativa era São João de Deus na praça de Londres, coincidência, uma antepassada do lado do meu pai era de Montemor-o-novo e tem o apelido Cidade, por isso era da família do santo, assim, esta igreja pareceu-me a mais adequada. Há muito que só entro em igrejas para cantar em latim ou assistir a concertos, normalmente são antigas. Fui a S. João de Deus que é moderna e no altar deparei-me logo com uma imagem da Fátima: raios que o parta, ela está em todo o lado. Resolvi não ligar ao assunto, afinal é apenas uma imagem, cumpri os rituais e senti-me bem. Quando ia já a caminho do trabalho, lembrei-me da N. S. da Conceição, está sozinha lá num monte em Vila Viçosa a olhar a planície alentejana, é muito mais bonita que a Fátima e quase ninguém lhe liga. Em 1981, quando o papa João Paulo II a visitou, eu era uma miúda, mas assisti a um verdadeiro milagre da N. S. da Conceição, porque o povo gritava: Papa, amigo, o povo está contigo!

postado no Insónia a 6/7/2008, lembrei-me dele porque hoje é dia de N.S. da Conceição e assisti mesmo a esse milagre em Vila viçosa quando o Papa veio a Portugal em 1981.


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