O que procuro em ti, eco ou planície, que não me respondes? Porque devolves apenas a minha voz?

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Poema #47
















CHRISTIAN BOLTANSKI

(sobre Humans, instalação, 1994,
no Museu Guggenheim de Bilbau)


As pessoas não estão ali. São retratos
Cujos corpos a morte deve ter levado,
a uns durante a guerra que os evoca
a outros no fim do tempo de cada um,
restando o esquecimento que os envelhece.
Talvez seja a razão de as fotos serem
todas de tamanho igual, e Boltanski
as alinhe como campas suspensas da parede.
Os vivos caminham sem ruído, a olhar
em busca de algo que seja luz,
entre lâmpadas votivas como velas,
e nesse recanto de três muros não há luz
senão a de existir e desnudar
a ausência que os olhos acentuam.
É um réquiem sem nada a que aspire.
Nem o amor vale ao destino
de se ter nascido como aquela gente.
Nem os beijos que se buscam
ou os corpos que se dão para serem num.
Não há nada que redima.
Um menino diz: o meu nome é Peter,
morri no bombardeamento de Aschaffenburg.
Outro é Bulie e chama Roswitha!
e a irmã não responde nem ouve.
Há amor também, desejo, risos, mais crianças.
Tudo no entanto é vão e contrário
do que se mostra, entre lâmpadas
em vígilia e fotos de soldados nazis
como um sinal de morte, misturadas
às de cadáveres de onde se esvai o sangue
e à da mulher violada de cujo rosto,
num cair de pálpebras, nasceu a libertação.
É um deserto este recanto de museu,
uma capela de silêncio há muito encerrada.
Ou que nunca se abriu.
Boltanski chamou-lhe Humans.

Nuno Dempster, “Dispersão: poesia reunida”, Edições Sempre-em-pé, 2008, p-228-229. A imagem é do autor.

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