O que procuro em ti, eco ou planície, que não me respondes? Porque devolves apenas a minha voz?

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Portefólio #9


Em Janeiro de 1995 retornei às Belas-Artes a tempo inteiro, para estudar escultura: já tinha faltado a 3 meses do ano lectivo por causa da estadia no Canadá. Foi tudo muito surrealista, como se tivesse vindo de um filme de ficção científica para a idade da pedra lascada; no Canadá a escola estava aberta 24h, tinha atelier próprio, ampliadores, câmara-escura para trabalhar à vontade e professores que acompanhavam o meu projecto. Nas Belas-Artes, as oficinas de escultura eram nas caves, chovia lá dentro, os professores ditavam exercícios, exigiam uma enorme quantidade de trabalho, mas eram poucos os que se davam ao trabalho de ensinar. O ano correu bastante mal: por exemplo, tive de modelar o retrato de um colega na cadeira de “modelos”, o professor era o autor da escultura do Sá-Carneiro no Areeiro, Mestre Soares Branco, ou Bronco como era conhecido já desde a década de 50 do séc. XX. Foi complicado, ele pedia-nos para trabalharmos a partir de fotografias, quando os colegas estavam ali ao nosso lado, mas depois despachava tudo com grandes notas. Fiz o retrato que aqui está e depois diverti-me um bocado, mas não o apresentei assim de língua de fora na avaliação. Tínhamos avaliações trimestrais nas cadeiras práticas, era coisa pública onde estávamos sujeitos às variações de humores dos professores. Nas aulas, normalmente, éramos salvos por alguns assistentes novos que nos davam apoio. Nas cadeiras teóricas era diferente, no geral os professores eram bons, as aulas eram no 1º andar do edifício e aí a vida corria-me melhor. Quanto à escultura, nesse ano tentei executar umas peças em polyurterano expandido que encolheram de um dia para o outro. Nunca entendi o que aconteceu e fui penalizada por isso, sentia-me dentro de um livro de Kafka. No entanto, nem tudo foi mau: na cadeira de desenho ilustrei os “ Contos da Montanha” de Miguel Torga, vou colocá-los por cá num espaço novo dedicado à ilustração; mas a avaliação final de desenho também foi um horror: apareceu uma múmia de nome Matos Simões, que eu nunca tinha visto na vida, nem me deu aulas e que desatou aos berros, porque não gostou do modo como os desenhos estavam apresentados. Depois contaram-me que era vulgar ele ter esse tipo de ataques com mulheres. Lembro-me de desabafar com uma professora assistente de escultura, uma boa alma que por lá andava e de ela me contar que a democracia tinha mudado muito o nosso país, até as Belas-Artes, porque antigamente os professores mandavam as alunas para casa cozer meias. Nas Belas apanhei zombies desse tipo, tive muito azar com eles. Um colega dizia que derivava de eu me rir, é verdade, quando fico nervosa me vez de chorar dá-me para rir. Espero que esses zombies já estejam todos mortos.


3 comentários:

  1. fizeste-me sorrir e recordar "outras" múmias...

    esses excelentissimos doutores.

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  2. Olá Luís,

    obrigada pela visita. Pois, as múmias são chatas de aturar
    :)

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  3. Esta espécie de diário de uma artista plástica é uma delícia.

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