O vizinho do prédio em frente acordou-me hoje com o som do Elvis Presley aos berros na sua aparelhagem de vinil: vá lá que não acompanhava o rei do rock com o seu som grave e desalinhado.
A rua tem outro colorido assim, mas a assombração que costumo ver na janela da esquerda ainda não surgiu: não é uma alma do outro mundo, é a mãe dele que fica enquadrada na janela, com os seus óculos de sol dos anos 70 e que entre outras coisas, lava os dentes ( ou placa) à janela e cospe a água lá para baixo - trata-se de um segundo andar de um prédio dos anos 30. Recentemente descobri o seu nome, através da neta da vizinha do segundo andar: chama-se D. Bebé, um excelente título para ficcionar. O problema é que a realidade está sempre à frente da ficção e esta entra-me pela minha janela à mais de 20 anos.
É um personagem fantástico a Dona Bebé! Lembro-me uma vez, quando estava de férias na Beira, eu e o meu primo Zé fomos buscar a avó dele (minha bisavó) a casa dela para a levarmos para Seia. A meio do caminho, que fizemos quase sempre em silêncio, a Tia Júlia diz, num sussurro entre-cortado, "filho, esqueci-me da placa". Voltámos para trás. A Tia Júlia esgueirou-se vagarosamente pelo portão ferrugento da sua casa e reapareceu segurando um copo com água onde trazia a placa mergulhada e foi assim com ele na mão, todo o caminho até Seia.
ResponderEliminarMJLF ridiculariza a pobreza, o vinil de quem se levanta às 6 da manhã para, num qualquer autocarro da Carris ir trabalhar e receber um salário de 700 euros para sustentar a D. Bebé. Pobre D. Bebé. Não tem acesso a estomatologistas de luxo. Toda esta pelintrice vizinha de MJLF deveria desaparecer para não melindrar o sentido estético de MJLF. MJLF vai ao Majongue, esteve num estágio de 6 meses em Halifax, vai a Colónia, ouve Chopin e Carlos Paredes. E lá de cima do seu "pedestal" despreza todas as velhotas cariadas deste Mundo. MJLF é uma contradição. MJLF é uma não- MJLF.
ResponderEliminarEsparsa, é difícil ficcionar sobre algo que vemos todos os dias.
ResponderEliminarMJLF vive com 700 Euros por mês e assim paga as suas contas e não deve dinheiro a ninguém, trabalha e anda de transportes públicos. A MJLF gosta do Vinil do vizinho que dá um enorme colorido à rua, acha que é uma alegria.
A MJLF não frequenta o Majongue. A MJLF despresa anónimos porque não têm coragem de dar a cara e assinarem com o seu nome, acha que eles são uma negação.
Bom, já aprendi que ouvir Chopin só a partir de determinado escalão. Ahhhh??????
ResponderEliminarviva MJ
Abraço
Viva André,
ResponderEliminarChopin enriquece a alma, mas o Elvis a tocar na aparelhagem do meu vizinho é ainda mais enriquecedor :)
Abraço
Curiosa coincidência, este blog que visito com alguma frequência, tem uma gata Lua, como a minha, só que a minha é negra como as noites sem lua. Estou a ler "Dois Verões" de Erik Orsenna e encontrei uma "prenda" para a dona da Lua.
ResponderEliminar"Os gatos são palavras com pêlo. Os gatos, como as palavras, rondam à volta dos humanos sem nunca se deixarem domesticar. É tão difícil meter um gato num cesto quando temos um comboio para apanhar do que ir à nossa memória caçar a palavra exacta e convencê-la a tomar o seu lugar na página em branco. Palavras e gatos pertencem ambos à raça dos inefáveis."
Irís