O que procuro em ti, eco ou planície, que não me respondes? Porque devolves apenas a minha voz?

terça-feira, 19 de maio de 2009

Uma casa no tempo #9





























Paredes 
 
A minha casa de paredes altas, a escrita invadiu as paredes, já foram brancas, agora a patine do tempo percorre-as. Em cada parede uma camada de memória, perco-me dentro de casa, procuro as chaves que nunca sei onde estão. Já tive vários chaveiros pendurados nas paredes, mas não resultou. A casa, vale de corvos escrito nas paredes, a outra seara está em Amesterdão. Tenho de voltar à cidade das janelas abertas, estou sufocada por muros altos, caiados, por muralhas de pedra, não suporto os pátios fechados do sul. Preciso de água, quero viver junto ao mar. A minha casa é um porto de passagem, um local perdido onde regresso sempre, de onde fujo do amarelo mortífero da planície. Estou rodeada de amarelo, até as paredes da casa são assim. Acumulo papéis, desorganizadamente, os meus livros têm páginas amarelas, são as paredes da casa, cheias de cicatrizes, de golpes a sarar. Os objectos acumulam-se na casa, como os livros, as pessoas vão e voltam, são como as ondas do mar, os livros ficam empilhados em vários sítios como as rochas. O telefone chama-me, a tua voz liberta-me disto tudo e dizes-me que se aprende muito com as saudades. Os açorianos, por via da dúvida, descrevem esse sentimento como um cortinado roxo que nos cobre o coração. Também, vivem rodeados de água, a ausência numa ilha sente-se com outra intensidade. Eu vivo rodeada de papéis amarelecidos pelo tempo. Raios partam a palavra portuguesa, saudade, porque amamos mais quando estamos distantes?
texto postado no Insónia a 21/8/2005, a ilustração foi postada a 14/6/2006

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