O que procuro em ti, eco ou planície, que não me respondes? Porque devolves apenas a minha voz?

terça-feira, 21 de março de 2017

Dia-a-dia #261

Na passagem de século estava tudo histérico, diziam que o mundo ia acabar. Fugi para o campo em direcção ao norte com um grupo de amigos. A casa era um paraíso bucólico onde recuamos mais um século: na entrada corria uma fonte com água da serra, o piso térreo era em pedra e o superior animado por janelas de guilhotina. Subíamos as escadas e à direita estava a típica cozinha com uma chaminé larga. Outra fonte de água corria num lavatório por baixo de uma das suas janelas. Lavávamos as mãos ou a loiça a olhar a paisagem. Em frente ficava a sala de jantar, antes do corredor para os quartos. A festa da passagem de século foi na sua enorme mesa ladeada por cadeiras Thonet. Na parede um antigo relógio contava o tempo. A água a correr na água e o relógio a cantar as horas suspenderam-nos num espaço-tempo. Nos quartos amassamos os colchões de barba de milho antes de fazer as camas. Na sala ao fundo do corredor tocava-se Chopin no piano de calda, com móveis e antigos retratos na parede a condizer. Ao lado ficava o quarto do Bispo. Às tantas, o pianista lembrou-se de ir a esse quarto vestir uma das batinas intemporais. Na sala de jantar bebíamos vinhos de superior qualidade. Riamos sem parar com o mascarado, até que de forma inexplicável, o pianista padre ia-se estatelando pelas escadas de granito polido abaixo. Teve então de retirar os hábitos para a festa continuar. De qualquer modo, mesmo com o relógio a contar o tempo e a cantar horas, ao som da água a correr, ninguém deu pelo momento exacto da passagem de século.

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