Sala
Entrei às escuras na porta do teu mundo. O som da água que corre invadia o espaço da sala e deste-me a tua mão, abrindo a janela. Mostraste-me como a natureza entrava em tua casa, descrevendo-me com a língua como a vias e amavas. Pediste-me silêncio senão a água caía dos teus olhos. Na tua janela bebi a água que os teus olhos me deram. O riso a iluminar o mundo e os meus lábios a beijarem os teus olhos a sorrir. Perguntaste-me no meu corpo porque sempre te fiz rir. No meu corpo correu a água que corre na água e invadimos o espaço da sala. A tua mão em casa na minha. Entendi como amavas a natureza ao escreveres no meu corpo com a língua e a minha traduzia a escrita. Pediste-me que te contasse os meus sonhos, antes de adormeceres. Acordaste de um sonho onde estávamos os dois em silêncio na tua sala a escrever, lá fora havia um barulho ensurdecedor, estavam políticos que tu odiavas, a multidão da qual fugíamos. Tremias quando te agarrei e abracei como podia. Eu não temia, a minha mão firme em casa na tua. Querias para sempre, mas respondi-te que isso é um romance já escrito. Contei-te que sonhava com o mar, que ele se tornava cada vez mais revolto, com ondas enormes e que tinha de fugir.
Texto publicado na revista Big Ode #3: Fusão, Nov 07/Fev 08 acompanhado da ilustração a preto e branco. Foi escrito a partir de um post do Insónia de 20/8/2005, intitulado "Casa" e publicado sem a ilustração em "Bicicletas para memórias e Invenções", Ed. criativação, Lisboa, Dezembro 2006.
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