O que procuro em ti, eco ou planície, que não me respondes? Porque devolves apenas a minha voz?

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Ilustração #32







2.
Creio ter aqui chegado por um certo engano,
e por isso o meu nascimento foi uma avareza de rosas,
e os cães rosnaram no extremo da charneca, e um uivo
inquietou a solidão doirada da planície para que algo
me dissesse como estou aqui, como cheguei aqui,
como o meu leite é negro sob a tempestade dos homens
e os elementos não sabem como interromper a ameaça.


Onde anda meu pai a esta hora infinita, não sei.
De todos os lugares chegam vozes impossíveis,
e o meu berço azul brilha no centro da terra, nesta casa
de cal, nesta branca tirania da suavidade, que Eliat ignora
e só um mar vermelho poderia aquietar.


Venho à vida, e venho a um lugar estranho onde as vozes
se levantam para murmurar, e por murmurações
entendo a condenação à fogueira, e a chuva de larvas
nos campos em volta, e os cavalos desenfreados
que vão de igreja em igreja procurar a redenção,
e os homens que, nas tendas, preparam as facas.


Aqui nasci, e não tenho onde repousar a cabeça, e nada
vem transformar a água em vinho, e a minha língua arde
pela impossibilidade de escolha das primícias, sendo que quero
uvas, maçãs, um pêssego absoluto, e toda a paz da planura,
toda a paz da humildade, enquanto os meus mortos revogam
os meus cânticos, e eu canto como cantam as raparigas de Jerusalém.

 Amadeu Baptista in "Outros Domínios Clamor Por Flobela Espanca", Coimbra, Temas Originais, 2011.

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