O que procuro em ti, eco ou planície, que não me respondes? Porque devolves apenas a minha voz?
quarta-feira, 20 de junho de 2012
Dia-a-dia #116
Estava na biblioteca bem concentrada nas leituras quando me senti observada: reparei então que na mesa em frente, um peculiar rapaz me estava a desenhar. Já o tinha visto por ali, também no Chiado, deve andar nas Belas. Surpreendeu-me, não o censurei e deixei-me estar, encarando como sendo algo natural. Ele percebeu e continuou o desenho. A sensação foi estranha porque aquele olhar sabia perfeitamente o que estava a captar, os gestos eram precisos e sem indecisões. A estranheza derivou da troca de papéis, sei que por vezes faço isso com conhecimento técnico, com as mãos em acção no papel. Agora sou eu: tratava-se dum jovem apolínio, bastante andrógeno, que dá gosto olhar, mas não dá vontade nenhuma de mexer; tinha uma figura fora do vulgar, alto, robusto, elegante e vestia de negro; o rosto era demasiado desenhado e equilibrado, daí o apelidar de apolíneo; a andrógenia derivava do longo cabelo louro cendrê; também tinha umas patilhas horriveis, com um ar experimental próprio da idade; as mãos eram sensuais, os dedos compridos estavam sujos de grafite, mãos de trabalho que não devem parar quietas; as mãos seguiam o seu olhar verde-água, rasgado, de lince selvagem que me dissecou sem piedade. Por fim, levantou-se para ir buscar os livros, deixou o bloco de apontamentos na mesa aberto com o desenho terminado. Não consegui observar bem o desenho porque estava longe, mas deu para ver que registou o meu decote com prazer.
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Um breve passear da câmara com o teclado. A vida é isso mesmo. Acasos que tornam real a realidade, fugazes as imagens que se gravam, tão humanas, sem dúvida tão de um clã de estranhos, no entanto próximos e que passam depressa para o nenhures urbano. Dava um belo conto.
ResponderEliminarolá Nuno, pois teria de ficcionar este acaso e desenvolvê-lo.
ResponderEliminarAbraço e até sexta-feira