“ O século XIX, alagado em ideias científicas e optimismo condicente, tentou envolver a discussão das diferenças de sexo num escrutínio científico, definitivo. Assim, os factos e as análises foram usados para contrabalançar a crescente reivindicação feminina, reforçando a ideia de hierarquia sexual assente nos dados da ciência. Partia-se de uma premissa simples: o tamanho e a configuração do cérebro influenciam nas capacidades cognitivas dos seus utentes, logo as mulheres – como de resto os povos primitivos – não tinham lugar para aquilo que fazia a grandeza do homem: o pensamento abstracto, a sua organização, a síntese dos dados configurados e a formulação dos juízos valorativos. O aspecto do cérebro feminino era objecto de delicada apreciação estética: «a sua estrutura é menos engelhada, as convulsões menos bonitas, menos amplas». ( Tomas Garb, "Gender and representation" in «Modernity and Modernism, french painting in the nineteenth century», Yale University Press, New Haven and london, 1993, p-280)
Era facto assente que a fisiologia interferia de forma decisiva na aprendizagem, e assim elas viam-se privadas de desenvolvimento a partir da puberdade e havia mesmo claros sintomas de regressão, anunciada com a chegada da menstruação e acentuada com as gravidezes. Toda a sua existência era absorvida pelas funções reprodutivas, mas talvez nem tudo estivesse perdido: tínhamos mais emoções e sensibilidade (leia-se descontrole), éramos mais primárias e miméticas, dependentes de estímulos externos (leia-se, mais próximas dos símios superiores), mas, suprema condescendência, possuíamos neles poder de observação e melhor percepção (pergunta-se para quê?)."
Maria João Lello Ortigão, «Aurélia de Sousa em contexto: a cultura artística no fim de século». Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2006. p-79
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