“Precipitavam-se pela rua fora, topando tudo no modo peculiar que tinham de início e que, muito tempo depois, se tornou mais triste, perceptivo e inexpressivo. Mas nessa altura dançavam pelas ruas fora, quais fantoches febris, e eu trotava atrás deles, como toda a vida fiz no encalço das pessoas que me interessam, porque as únicas pessoas autênticas, para mim, são as loucas, as que estão loucas de viver, loucas por falar, loucas por serem salvas, desejosas de tudo ao mesmo tempo, as que não bocejam nem dizem nenhum lugar-comum, mas ardem, ardem como fabulosas grinaldas amarelas de fogo-de-artifício a explodir, semelhantes a aranhas, através das estrelas e, no meio, vê-se um clarão azul a estourar e toda a gente exclama: «Aaaah!».”
In Jack Kerouac, Pela Estrada Fora. ( Trad. Armanda Rodrigues e Margarida Vale de Gato). Lisboa: Relógio d’Água, 1998. P- 13.
A gata Lua tem imensa cultura artística: ouve em silêncio música que a maior parte dos humanos não aguenta – os cães fazem imenso barulho e as pessoas também. Antigamente, ela atacava e mordia textos filosóficos – são bons para limpar o organismo; agora, se me distraio, vai directa ao que escrevo. A Lua também gosta de pintura sobre madeira – é boa para afiar as unhas; ultimamente, dorme sobre uma escultura que estou a modelar – trata-se de um diálogo com Camões. Ontem encontrei-a lá refastelada, a ouvir o Richter e o Rotropovic a interpretarem as sonatas para piano e violoncelo de Beethoven.
O Sol a espreitar
O gato Sol teve hoje uma experiência nova: estive toda a manhã a pintar e a ouvir a Antena 2. Ele aparentemente reagiu bem, dormiu no sofá ao pé de mim, até que reparei que acordou assustado: na rádio Puccini e as pinturas estavam no chão a secar. Ele saltou e foi cheirá-las desconfiado. Depois olhou para mim e dirigiu-se para a porta do quintal, que abri para o deixar ir à sua vida. Deduzo que não gostou nem de Puccini, nem das minhas pinturas.
Da Natureza-Morta Social
O que é uma " natureza-morta social" ? Conheci este conceito porque foi título de um livro de poemas de Daniel Falb, para o qual contribuí com a imagem da capa. A imagem interpretava um poema que se encontra no interior do livro, não foi feita a pensar numa "natureza- morta social", mas ao lado do título ganhou outra dimensão. O que é uma "natureza-morta social"? Ora aqui está uma pergunta que faço desde que o livro foi publicado em 2009. Por isso comecei a pintá-las no dia 14 de Novembro de 2012.